quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O Prêmio Nobel de Física de 2013 - uma crítica

Na última quarta-feira, 8 de outubro de 2013, foi anunciado o vencedor do prêmio Nobel de Física. Os laureados foram Peter Higgs e François Englert, pela "descoberta teórica de um mecanismo que contribui para nossa compreensão acerca da origem da massa de partículas subatômicas, e que foi recentemente confirmado através da descoberta da partícula fundamental, pelos experimentos ATLAS e CMS no Grande Colisor de Hádrons do CERN." [1]

Peter Higgs é bem conhecido, devido ao seu bóson homônimo, o bóson de Higgs, partícula responsável pela origem da massa de partículas subatômicas. No entanto, François Englert foi ignorado até recentemente, e mesmo entre os físicos seu nome não é tão conhecido. Também foram ignorados os nomes de outros "pais" do Higgs, como Robert Brout, Gerald Guralnik, Carl Richard Hagen e Tom Kibble. Conforme apontado por Sean Carroll em um interessante texto recente, Brout está morto, e portanto não pode ser nomeado ao prêmio. Os demais nomes acima mencionados publicaram seu artigo alguns meses após Englert, Brout e Higgs, apesar da importante contribuição para o desenvolvimento da teoria. Vale ressaltar que Englert e Brout submeteram o artigo um mês antes de Higgs, e seu artigo foi publicado antes, o que os torna os reais pais da ideia.

O que hoje é conhecido como mecanismo de Higgs deveria ser conhecido como mecanismo de Englert-Brout-Higgs-Guralnik-Hagen-Kibble (EBHGHK), para dar crédito a todos os pais da teoria, e valorizar a contribuição de cada um destes cientistas.

Não menos importante é a contribuição de Nambu e Goldstone, cujos trabalhos pioneiros na área inspiraram o desenvolvimento do mecanismo de EBHGHK. Phillip Anderson, que recebeu o prêmio Nobel de Física em 1977 por suas investigações acerca da estrutura eletrônica de sistemas magnéticos e desordenados, em 1963 já havia publicado um trabalho propondo algo que lembra o mecanismo de EBHGHK.

E quem efetivamente descobriu o bóson de Higgs? Duas diferentes colaborações: ATLAS e CMS. A colaboração do experimento ATLAS é composta por aproximadamente 3000 cientistas, e a do experimento CMS por cerca de 3800. Todas estas pessoas trabalharam em conjunto para construir gigantescos detectores que permitiram a descoberta do bóson de Higgs. Foram vários anos de trabalho exaustivo para construção, teste e manutenção dos detectores, além dos bilhões de dólares investidos. Esta descoberta não teria sido possível sem este esforço conjunto.

E por que não deram o prêmio Nobel para todas estas pessoas? Pela simples razão que o prêmio não pode ser concedido nem postumamente, e nem a mais de três indivíduos. Organizações/instituições não são elegíveis. E pensando bem, nem faz sentido conceder o prêmio a todas estas pessoas, já que muitas delas não contribuiram de forma nenhuma para a descoberta do Higgs. Também é difícil identificar dentre tantas pessoas quem são os indivíduos que foram deveras essenciais para tal descoberta.

Então, como proceder com a premiação? Não sei. Só sei que as colaborações ATLAS e CMS deveriam receber parte do prêmio, certamente. A regra de que organizações/instituições não são elegíveis é absurda na atualidade. Hoje a física (e creio que isto valha para as demais ciências) não é feita por indivíduos geniais que sozinhos transformam a ciência. Ela é o produto do esforço conjunto de muitos indivíduos. Estes indivíduos não são apenas físicos teóricos (como Higgs e Englert), mas também físicos experimentais (como meus colegas das colaborações ATLAS e CMS). Teoria sem experimento é metafísica, e experimento sem teoria é cabra cega.

Minha crítica ao comitê do prêmio Nobel é principalmente o fato de não valorizarem a física experimental, que atualmente não pode ser feita por indivíduos ou pequenos grupos, mas grandes colaborações. Isto reforça o estereótipo do cientista como um gênio solitário, que sozinho é responsável por grandes descobertas e revoluções científicas. Para encerrar, parafraseio o título da crítica de Sean Carroll  ao Nobel: "Nenhum físico é uma ilha".

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Para quem nunca viu como o Higgs foi "visto", ele está neste gráfico abaixo. Ele é o pico na curva preta, acima das regiões amarela e verde. Segundo a previsão teórica, a massa do Higgs deveria estar em torno de 125-130 GeV (veja o eixo horizontal). Os pontos pretos sobre a linha preta correspondem aos dados. O pico desta curva indica a massa do Higgs, que condiz com a previsão teórica. Outros testes foram feitos para verificar se esta partícula tinha todas propriedades do bóson de Higgs, e não apenas a massa.