Caro leitor,
Ao ler o título você pode pensar que comentarei sobre os bastidores da Rede Globo. No entanto, a Carolina Dieckmann a que me refiro é uma lei, e o Big Brother não é um programa de televisão.
Em sua célebre obra 1984 George Orwell descreve um mundo distópico, com um governo totalitarista, onde os cidadãos são constantemente monitorados pelo Estado através do "Big Brother". Nesta obra pode-se entender perfeitamente o conceito de transparência: tudo o que o cidadão faz é monitorado, de forma que o Estado consegue controlar todas as ações das pessoas. No entanto, esta transparência é unilateral, pois a população nada sabe sobre este o governo.
Felizmente, nem tudo está perdido e os governos [ainda] não estão monitorando todas as atividades dos cidadãos, e [ainda] estão trazendo ao público algumas informações sobre suas próprias atividades. Nos bastidores da internet está sendo travada uma guerra virtual entre hacktivistas e governos. Os hacktivistas trazem ao público informações confidenciais dos governos, visando a transparências, e os governos utilizam dos desprezíveis recursos aos quais só eles têm acesso (as leis), a fim de rastrear seus inimigos.
E qual a motivação deste post?
Recentemente foi sancionada a Lei 12.737, ou "Lei Carolina Dieckmann", para os íntimos. O apelido deriva da ação de alguns hackers pé-de-chinelo que invadiram o computador da atriz Carolina Dieckmann e postaram fotos dela nua na internet. Eu digo hackers pé-de-chinelo, pois só faltou eles deixarem registros dos números de seus documentos de identidades, pois toda sua ação foi mal executada.
O Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, fica acrescido dos seguintes arts. 154-A e 154-B:
“Invasão de dispositivo informático
Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
§ 1o Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput.
§ 2o Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico.
§ 3o Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.
§ 4o Na hipótese do § 3o, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos.
§ 5o Aumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for praticado contra:
I - Presidente da República, governadores e prefeitos;
II - Presidente do Supremo Tribunal Federal;
III - Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembleia Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara Municipal; ou
IV - dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal.”
E eis aqui minha indignação. Por que a pena é diferenciada para "crimes" contra membros do governo? Aqui deve ser feita uma diferenciação: um prefeito, governador e até mesmo presidente são cidadão comuns. A invasão de seus emails e dispositivos pessoais deveria, logicamente, ser tratada como uma ofensa a qualquer outra pessoa.
E quanto à invasão de suas contas de email e dispositivos "profissionais"? Agora sim existe uma diferenciação. Comentarei apenas sobre o caso de invasão de dispositivos e contas de email, uma vez que a adulteração e destruição de dados é uma discussão à parte. A obtenção e publicação de informações de membros do poder público não pode ser considerada uma ação criminosa, uma vez que a transparência governamental deveria, a princípio, prevalecer. Não é (ou não deveria ser) crime obter e publicar informações que lhe pertencem, como é o caso de toda e qualquer informação relacionada às atividades governamentais. É (ou deveria ser) um direito do cidadão e um dever do Estado informar a população sobre absolutamente tudo o que ocorre nos bastidores da política. Como isto não é feito, cabe a alguns hacktivistas tomarem a frente e publicarem as informações que permitam aos cidadãos acompanhar as atividades do Governo. A guerra virtual a que me referi anteriormente é em prol da transparência dos governos. É exatamente isto que o site Wikileaks tem feito: publicado informações confidenciais dos governos em prol da transparência.
Esta nova lei criminaliza a ação do hacktivista e, indiretamente, tem várias implicações. A mais impactante delas é a de que quando houver suspeita de crime cibernético, os provedores de internet serão forçados a fornecerem informações sobre seus clientes para que a investigação prossiga e, naturalmente, a privacidade do suspeito será diretamente implicada. Eu desconheço a legislação do Brasil acerca do armazenamento de informações por parte dos provedores de internet, mais precisamente, por quanto tempo os provedores devem manter registros das atividades dos usuários, mas em outros países há um constante monitoramento do tráfego de dados de seus cidadãos e os provedores devem armanezar registros das atividades dos usuários por vários meses, violando um direito básico do ser humano (privacidade), e trazendo à realidade o que Orwell descrevera em caráter ficcional: o Big Brother.
Para saber mais sobre hacktivismo e privacidade na rede acessem