sábado, 21 de março de 2020

A ciência brasileira em tempos de pandemia

Para você, no Brasil, que acordou em quarentena, se perguntando quando essa loucura vai acabar, lembre-se que existem cientistas no Brasil e no mundo trabalhando intensamente para encontrar uma vacina, estudando formas de conter o avanço da epidemia, etc.

No Brasil, muitos desses são doutorandos que ganham bolsas de 2200 reais, e pós-doutorandos que recebem meros 4100 reais. Não vou nem dizer que é ridículo que alguém com um doutorado seja tratado como um mero bolsista, sem direitos trabalhistas e com um salário baixíssimo para o nível de qualificação.

São essas pessoas que estão trabalhando por vocês. Elas acordaram com a triste notícia de que ainda mais bolsas serão cortadas pelo Ministério da Educação. Em 2019 a ciência brasileira foi quase obliterada por um governo de apedeutas que tentaram fazer da esfericidade da Terra uma questão de ideologia política. Infelizmente, ela não vai sobreviver a mais cortes.

Acho que esta crise mostrou a importância da ciência.  Não precisa ser um gênio para perceber que o país que encontrar uma vacina primeiro vai comercializá-la mais cedo e salvar muitas vidas. E se não for o primeiro, produtos nacionais são mais baratos que produtos importados, no geral, então continua sendo bom termos a nossa própria vacina.

Imagine se alguém conseguisse desenvolver testes do vírus a preço de banana, o quanto isso seria útil e possivelmente rentável.
Hoje a ameaça é o COVID-19. Amanhã poderá ser um asteróide, ou outra coisa. A única forma de estar preparado é através do contínuo INVESTIMENTO EM CIÊNCIA. As coisas não podem ser resolvidas de uma hora pra outra; anos de trabalho são necessários e as verbas não podem ser cortadas.

O INVESTIMENTO EM CIÊNCIA deve se tornar uma política de Estado e não uma bandeira de cada governo. Esse é um investimento necessário para nós mesmos e para as futuras gerações, para o Brasil e para o mundo.

domingo, 4 de agosto de 2019

Bem-vindos à Máquina

Como um grande apreciador de Pink Floyd, estava recentemente (re-)ouvindo a discografia da banda. Detive-me, primeiramente, em Wish You Were Here, do álbum homônimo de 1975. Não pude deixar de notar que parte do texto tem notáveis semelhanças com o presente.

Transcrevo, aqui, um trecho da música:
Do you think you can tell?
Did they get you to trade
Your heroes for ghosts?
Hot ashes for trees?
Hot air for a cool breeze?
Cold comfort for change?
(...)We're just two lost souls
Swimming in a fish bowl
Year after year
Running over the same old ground
And how we found
The same old fears
Wish you were here


Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro demitiu o diretor do  Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Ricardo Galvão. O motivo: análises do INPE indicam um aumento de 40% no desmatamento da Amazônia em relação ao mesmo período do ano passado. Governos de muitos países têm agido buscando minimizar o impacto humano no meio-ambiente. Naturalmente, a preservação da maior floresta tropical do mundo é de interesse global. Portanto, a divulgação desses resultados comprometeu a imagem do Brasil. Bolsonaro não gostou e atacou Ricardo Galvão de forma "pusilânime e covarde", além de questionar os resultados. Que competência científica tem o presidente para questionar resultados científicos de doutores (e obviamente me refiro a quem tem doutorado, não a médicos -- apesar de que nesse caso eles atuam como médicos do planeta) que dedicam suas vidas a estudar o Universo? Vale enfatizar que ele está questionando dados, sem oferecer nenhum suporte aos seus "argumentos".

É "compreensível" (não, não é) que Bolsonaro assim queira fazer, afinal, sua base eleitoral e financeira é composta por grandes latifundiários a quem o desmatamento favorece. O problema é que a população, ignorante, oferece suporte ao presidente. Aliás, nisso o presidente e seus aliados têm obtido êxito, em disseminar a desinformação. Eles conseguiram fazer com que o povo trocasse árvores por cinzas (hot ashes for trees), a brisa fresca pelo ar quente (hot air for a cool breeze) e a mudança pela gélida comodidade (cold comfort for change).

Na era da pós-verdade e da desinformação, é importante que as pessoas entendam a importância da preservação ambiental e o impacto das mudanças climáticas.  Esse é um fato científico. É inegável que a ação humana tem sido a maior responsável pelo processo de aquecimento global. Mas elas não parecem entender isso. Não percebem que somos apenas duas almas perdidas nadando num aquário, ano após ano, correndo sobre o mesmo velho chão (We're just two lost souls swimming in a fish bowl, year after year). A destruição do planeta afeta ricos, pobres, direita e esquerda. Ela afeta a todos igualmente.
O aquecimento global pode ser fatal. É o tão profetizado "apocalipse" ou fim do mundo, que permeia todas as culturas desde os tempos mais primórdios. Hoje, só alguns de nós encontramos os mesmo velhos medos (... we found the same old fears). Os mais destemidos (ou burros), presos à ditadura do capital, não só nada fazem a respeito, como também destroem, ainda mais, o planeta.
A demissão do diretor do INPE pela divulgação de resultados científicos, que seguramente podem ser reproduzidos por milhares de especialista com acesso aos dados, é uma medida obscura e autoritária. Aliás, atos de censura como este mostra a postura tirânica do governo Bolsonaro.
No álbum The Final Cut (1983), a música The Fletcher Memorial Home imediatamente me remeteu ao ano de 2019. Composta por Roger Waters, esse genial manifesto sobre a ascensão do populismo após a Segunda Guerra Mundial não é um retrato somente daquela época. 

 



O título da música faz alusão a Eric Fletcher Waters, pai do compositor, morto na Segunda Guera Mundial quando Roger era ainda um bebê. A cada verso, ele tece duras críticas a governos tiranos -- como o de Bolsonaro. Em 2019, Bolsonaro e Trump certamente seriam referenciados nessa música, uma vez que o Memorial Fletcher [dada a etimologia da palavra, achei 'memorial' uma tradução adquada] é casa para incuráveis reis e tiranos (The Fletcher Memorial Home for incurable tyrants and kings). 

O suporte que Bolsonaro recebe de grande parte da população brasileira é assustador. E a situação é de tal calamidade que o povo diz que não precisa de educação (We don't need no education). E eis a raiz de todos os problemas. Povo com boa educação não elege bolsonaros. O orçamento da educação está dimuindo e o lobby do ensino superior privado está forte. Não sei por quanto tempo a universidade pública resistirá. 

Minha esperança é que grandes acordos comerciais como o entre o Mercosul e a União Europeia consigam limitar o poder destrutivo do governo Bolsonaro no que diz respeito a questões ambientais, já que quando o assunto é dinheiro o governo pensa duas vezes. A observação do Acordo de Paris, por exemplo, poderia ser uma cláusula do referido acordo comercial.  

O planeta está morrendo, o país está sangrando, e as pessoas não percebem que estamos à beira do precipício, próximos do corte final (the final cut).




quarta-feira, 31 de julho de 2019

Glenn Greenwald, VazaJato e Liberdade de Imprensa

Agora que o Glenn Greenwald ficou conhecido no Brasil, aproveito esta quinta-feira para recomendar dois livros dele que li há alguns anos, na época em que o caso Snowden veio a público.

Com esses livros, acho que podemos entender bem como o Glenn age e pensa, de forma que o The Intercept não vazaria informações falsas propositalmente. (Apesar de que agora qualquer pessoa minimamente inteligente já concluiu que as mensagens do Moro são verdadeiras.)

O primeiro desses livros é "With Liberty and Justice for Some" (Liberdade e justiça para alguns), um trocadilho com "with liberty and justice for all", que encerra o juramento de fidelidade que os americanos fazem frente à bandeira dos EUA -- inclusive diariamente nas escolas -- o usual patriotismo americano exacerbado. 

O subtítulo diz muito sobre o conteúdo do livro: "How the law is used to destroy equality and protect the powerful" (Como a lei é usada para destruir a igualdade e proteger os poderosos).

No outro ("No Place to Hide") ele conta em detalhes como obteve as informações de Edward Snowden, que revelaram o esquema de espionagem da NSA. Quem já assistiu ao filme do Snowden vai se identificar com esse.

A pessoa que expôs o maior esquema de espionagem governamental e violação de diretos, que combateu de frente o governo americano, que ganhou o prêmio Pulitzer por isso, publica textos no Brasil expondo membros do alto escalão do governo e da Lava Jato, e o Bostonaro decide atacá-lo e chamá-lo de criminoso.

Aparentemente o conceito de liberdade de imprensa ainda não chegou ao Palácio do Clã dos Bostoranjas em Burrolândia.