quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Sobre Girafas

Recentemente notei que muitas pessoas estavam trocando suas fotos de perfil por fotos de girafas. Resolvi pesquisar para saber a razão disto. O desafio original aparentemente foi proposto no youtube.


Ele é bem simples: "São 3 horas da manhã, alguém bate na porta da frente e você acorda. Visitas inesperadas, são seus pais e eles querem café da manhã. Você tem geleia de morango, mel, vinho, pão e queijo. Qual a primeira coisa que você abre?". Este "enigma" mal pensado pode ter várias respostas. 

***SPOILER ALERT!***
A primeira resposta que veio à minha cabeça foram os olhos. Quando eles batem à porta, você obviamente deve abrir seus olhos para acordar. A segunda resposta que me veio à mente foi a porta, já que você precisa abri-la para a entrada de seus pais. A segunda resposta que é a mais óbvia para a maioria das pessoas não é muito adequada, já que logicamente a primeira resposta (os olhos)  é a correta. Além disto, nada impede que você abra o armário para verificar o que você tem antes de abrir a porta, ou que abra a geleia, queijo, etc, antes de convidar seus pais a entrarem. Portanto esta resposta é, do ponto de vista lógico, falha.
***FIM DO SPOILER***

À parte as incoerências na(s) resposta(s) do "enigma", o que me impressionou foi a dimensão que esta brincadeira tomou. Muitos de meus contatos trocaram (e continuam a fazê-lo) suas fotos de perfil por fotos de girafas, exibindo com orgulho o símbolo do seu fracasso. Um engajamento tão grande em algo tão banal é preocupante. Mas como eu sou um defensor das liberdades individuais, devo ser coerente com meu discurso e defender que estas pessoas façam o que quiserem, mesmo que eu ache ridículo.

Só quero aproveitar o tema (girafas) para alertar sobre a diminuição da população de girafas no mundo. Desde 1988 o número de girafas reduziu para a metade. Esta redução deve-se, em parte, à expansão das áreas destinadas à agropecuária, que implica na perda do habitat das girafas, e em parte devido à caça. 

Quem já viu uma girafa de perto sabe que elas são animais extremamente dóceis, que se alimentam de vegetais, e raramente entram em conflitos com humanos. Infelizmente, existem empresas de caça que lucram mais de 15000 dólares por uma simples expedição para caça-las. Depois de abatidas, os caçadores posam para a foto ao lado dos pobres animais. Alguns deles levam a cabeça da girafa como prêmio para decorar suas salas de estar.

Para concluir, eu só queria chamar a atenção de vocês para o problema da caça de girafas. Quando vocês colocarem uma foto de girafa no seu perfil, pensem nas girafas que têm sido caçadas e exterminadas na África. Estas fotos que por hora são apenas uma brincadeira, podem passar a ter outro significado, se transformar numa bandeira contra a caça de girafas na África. Pensem nisto!

Mais informações: 

* Eu não gosto destas petições online pois acho ineficientes. Mas deixo os links para quem se interessar...


quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O Prêmio Nobel de Física de 2013 - uma crítica

Na última quarta-feira, 8 de outubro de 2013, foi anunciado o vencedor do prêmio Nobel de Física. Os laureados foram Peter Higgs e François Englert, pela "descoberta teórica de um mecanismo que contribui para nossa compreensão acerca da origem da massa de partículas subatômicas, e que foi recentemente confirmado através da descoberta da partícula fundamental, pelos experimentos ATLAS e CMS no Grande Colisor de Hádrons do CERN." [1]

Peter Higgs é bem conhecido, devido ao seu bóson homônimo, o bóson de Higgs, partícula responsável pela origem da massa de partículas subatômicas. No entanto, François Englert foi ignorado até recentemente, e mesmo entre os físicos seu nome não é tão conhecido. Também foram ignorados os nomes de outros "pais" do Higgs, como Robert Brout, Gerald Guralnik, Carl Richard Hagen e Tom Kibble. Conforme apontado por Sean Carroll em um interessante texto recente, Brout está morto, e portanto não pode ser nomeado ao prêmio. Os demais nomes acima mencionados publicaram seu artigo alguns meses após Englert, Brout e Higgs, apesar da importante contribuição para o desenvolvimento da teoria. Vale ressaltar que Englert e Brout submeteram o artigo um mês antes de Higgs, e seu artigo foi publicado antes, o que os torna os reais pais da ideia.

O que hoje é conhecido como mecanismo de Higgs deveria ser conhecido como mecanismo de Englert-Brout-Higgs-Guralnik-Hagen-Kibble (EBHGHK), para dar crédito a todos os pais da teoria, e valorizar a contribuição de cada um destes cientistas.

Não menos importante é a contribuição de Nambu e Goldstone, cujos trabalhos pioneiros na área inspiraram o desenvolvimento do mecanismo de EBHGHK. Phillip Anderson, que recebeu o prêmio Nobel de Física em 1977 por suas investigações acerca da estrutura eletrônica de sistemas magnéticos e desordenados, em 1963 já havia publicado um trabalho propondo algo que lembra o mecanismo de EBHGHK.

E quem efetivamente descobriu o bóson de Higgs? Duas diferentes colaborações: ATLAS e CMS. A colaboração do experimento ATLAS é composta por aproximadamente 3000 cientistas, e a do experimento CMS por cerca de 3800. Todas estas pessoas trabalharam em conjunto para construir gigantescos detectores que permitiram a descoberta do bóson de Higgs. Foram vários anos de trabalho exaustivo para construção, teste e manutenção dos detectores, além dos bilhões de dólares investidos. Esta descoberta não teria sido possível sem este esforço conjunto.

E por que não deram o prêmio Nobel para todas estas pessoas? Pela simples razão que o prêmio não pode ser concedido nem postumamente, e nem a mais de três indivíduos. Organizações/instituições não são elegíveis. E pensando bem, nem faz sentido conceder o prêmio a todas estas pessoas, já que muitas delas não contribuiram de forma nenhuma para a descoberta do Higgs. Também é difícil identificar dentre tantas pessoas quem são os indivíduos que foram deveras essenciais para tal descoberta.

Então, como proceder com a premiação? Não sei. Só sei que as colaborações ATLAS e CMS deveriam receber parte do prêmio, certamente. A regra de que organizações/instituições não são elegíveis é absurda na atualidade. Hoje a física (e creio que isto valha para as demais ciências) não é feita por indivíduos geniais que sozinhos transformam a ciência. Ela é o produto do esforço conjunto de muitos indivíduos. Estes indivíduos não são apenas físicos teóricos (como Higgs e Englert), mas também físicos experimentais (como meus colegas das colaborações ATLAS e CMS). Teoria sem experimento é metafísica, e experimento sem teoria é cabra cega.

Minha crítica ao comitê do prêmio Nobel é principalmente o fato de não valorizarem a física experimental, que atualmente não pode ser feita por indivíduos ou pequenos grupos, mas grandes colaborações. Isto reforça o estereótipo do cientista como um gênio solitário, que sozinho é responsável por grandes descobertas e revoluções científicas. Para encerrar, parafraseio o título da crítica de Sean Carroll  ao Nobel: "Nenhum físico é uma ilha".

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Para quem nunca viu como o Higgs foi "visto", ele está neste gráfico abaixo. Ele é o pico na curva preta, acima das regiões amarela e verde. Segundo a previsão teórica, a massa do Higgs deveria estar em torno de 125-130 GeV (veja o eixo horizontal). Os pontos pretos sobre a linha preta correspondem aos dados. O pico desta curva indica a massa do Higgs, que condiz com a previsão teórica. Outros testes foram feitos para verificar se esta partícula tinha todas propriedades do bóson de Higgs, e não apenas a massa.







sexta-feira, 12 de julho de 2013

Carta aos médicos(as) e aspirantes a médicos(as)

Caros médicos(as) e aspirantes a médicos(as),

Antes de saírem por aí questionando a qualidade dos médicos estrangeiros, questionem a qualidade de vocês mesmos. Já percebi que vocês não sabem nada de política e de como as coisas funcionam. Então espero que vocês pelo menos saibam Medicina. (Sim, sei que existem muitas exceções a esta regra.)

O Governo já disse que os médicos estrangeiros vão ser chamados quando vocês se recusarem a ir para alguns locais do país ou quando houverem vagas disponíveis. Além disto, todos os médicos estrangeiros serão avaliados antes do início do exercício. Nenhum de vocês ainda foi capaz de argumentar qual o problema disto (como também não são capazes de argumentar sobre muitas outras coisas). Sim, em alguns destes lugares o salário é baixo, e eu concordo plenamente que deveria ser melhorado, e por isto vocês não querem ir. Mas em outros lugares, mesmo com altíssimos salários (incompatíveis com nível de muitos de vocês), vocês ainda assim se recusam a ir. Nestas horas eu começo a ver uma relação entre as palavras 'Hipócrates' e 'hipócritas', mesmo sabendo que a semelhança é mera coincidência.

Engraçado é que vocês vêm com esta atitude protecionista e xenofóbica, e alguns de vocês foram para países em crise através de programas Work & Travel com dinheiro do papai. Ninguém nestes países questionou suas habilidades de fazer seja lá o que vocês fizeram durante a viagem, e nem reclamaram de vocês roubarem um emprego em um momento de crise. (Provavelmente reclamaram sim. Mas vocês ligaram o botão de f#da-se). Acho que as limitadas mentes destas pessoas é incapaz de perceber a contradição entre discurso e prática.

Quanto às mudanças nos cursos de Medicina, de certa forma eu entendo o motivo de vocês estarem reclamando. Não se pode, ou melhor, não se deve, aumentar a duração de um curso de 6 para 8 anos sem consultar as universidades, professores de medicina, e o próprio corpo estudantil. No entanto, a atuação no SUS por um determinado período de tempo é deveras importante por dois motivos: 1) aquisição de experiência, que é um fator crucial na formação de um bom médico; 2) muitos médicos se formam em universidades públicas e, de certa forma, a atuação no SUS é o retorno do investimento que a sociedade fez nele(a).

Não sou a pessoa mais capacitada para falar deste assunto, mas acho que a comunidade médica não está atuando da melhor forma possível, e nem ao menos está conseguindo defender os argumentos para suportar sua posição (porque não há o que defender). Concordo com algumas das reivindicações da classe médica, principalmente no que tange ao inesperado e impensado aumento da duração dos cursos de medicina, mas me oponho veementemente às atitudes protecionistas e xenofóbicas que têm sido praticadas.

Sem mais,

Zaratustra





quarta-feira, 19 de junho de 2013

Impressões sobre a Manifestação em Hamburgo


Ontem, 18 de junho de 2013, foi realizada uma manifestação na cidade de Hamburgo, Alemanha, em apoio aos protestos que estão ocorrendo no Brasil. A manifestação foi pacífica, e reuniu mais de 250 pessoas. Apenas quatro policiais acompanhava a multidão que caminhava cantando as mesmas coisas de sempre "O povo, unido, jamais será vencido", e outros conhecidos gritos-de-guerra de manifestações.

Esta imagem resume muito bem o protesto: pessoas de diversas idades, etnias e credos caminhando juntos em prol de um país melhor. Também é possível ver nesta imagem uma pessoa sentada em uma cadeira de rodas, participando normalmente da manifestação. No Brasil, uma pessoa em uma cadeira de rodas provavelmente não participaria das manifestações, já que não daria tempo de fugir do gás lacrimogêneo. O ambiente agradável deste protesto, fez dele uma mani-festa-ação, com diversão, reflexões e discussões, dando maior visibilidade à causa, e criando um ambiente adequado para discutir os problemas, e definir novas metas.



A primeira observação interessante: mal começou a concentração de pessoas em frente à Estação Central de Hamburgo, já tinha algumas pessoas puxando o coro do Hino Nacional. Foi uma belíssima cena ouvir diversas vozes cantando em uníssono nosso hino. No entanto, no momento em que deveriam cantar "Deitado eternamente em berço...", começou a confusão e a canção parou. Eu particularmente não acho o Hino Nacional adequado para manifestações democráticas, já que ele é o símbolo da subversão da democracia em prol do elitismo, uma vez que quando foi criado ele perdeu o concurso, mas devido à influência de alguns, acabou se tornando o Hino Nacional Brasileiro.

Apesar do protesto ter sido excelente em alguns aspectos, em outros aspectos deixou a desejar. As pessoas que mais falavam ao megafone, que de fato transmitiam a imagem do movimento, elas levantavam questões irrelevantes e/ou risíveis. Estas pessoas fugiam ao tema e em alguns momentos iniciaram um grito "13 unter" ("abaixo o 13", referindo-se ao PT). Lamentável terem perdido tempo com isto. Outro sujeito tentou defender o que ele chama de "impeachment" da Dilma. Ele nem ao menos conhece o conceito da palavra impeachment, e não soube explicar as razões para "impeachmá-la".

Um dos mais belos momentos da passeata foi quando cantamos "Pra não dizer que eu não falei das flores", de Geraldo Vandré (ver vídeo1). Acho que esta música é mais adequada para uma revolução, e não para a situação atual, mas ainda assim causa arrepios.

No geral a manifestação foi tranquila e muito boa, apesar dos deslizes individuais. Conseguimos chamar a atenção do povo alemão para os problemas do Brasil. A imprensa cobriu o evento e entrevistou muitas pessoas (é disto que eu tenho medo). Resta agora pensar nos próximos passos do movimento. Já é hora de fazer a pauta tem de convergir para algo concreto!

As fotos da manifestação estão disponíveis em: link
Também gravei alguns vídeos: vídeo1 vídeo2 vídeo3

***
Encerro aqui com um belíssimo poema escrito pelo meu amigo Nícollas Ranieri que foi publicado numa antologia de poemas inspirados pelos acontecimentos recentes.


#PARTIU, VINAGRE

O ar, irrespirável,
é o que todos sabem.
E por isso vamos para a rua.
Pede-se passagem.
Porque irrespiráveis são os ônibus,
os metrôs, e as salas com
ar-condicionado
onde desempenhamos
o vulgo papel civilizado.
E sabemos que estamos
condicionados.
Admirável mundo novo, o
niilismo, o cinismo,
também se esgota.
E todo o nosso esgoto
está batendo à porta.
Mas onde já se viu? Chamamos
de desobediência civil.
Já decidiram: querem nos sufocar.
Bombas de gás lacrimogêneo,
balas de borracha.
Para demarcar terreno,
impedir o centro,
impor a margem.
Mas pede-se passagem.
Não estamos mais sentados,
e ainda pensam que é por centavos.
É uma questão de tempero,
de sabor, de salada.
Para alguns não é nada,
e talvez não seja bem um milagre,
mas ainda temos o vinagre.

Nícollas Ranieri

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Obrigado, Brasil!

Terça-feira, 18 de junho de 2013. 03:00 da manhã, eu ainda acordado acompanhando ao vivo os protestos no Brasil. Estou tentando dormir há 3 horas, mas não consigo. Estou em êxtase acompanhando o que eu pensei que nunca fosse presenciar na minha vida: o levante do povo brasileiro contra as atrocidades disfarçadas de politicagem cometidas pelo nosso governo. Lamento profundamente por estar do outro lado do Atlântico, por não poder participar do que pode ser a maior manifestação popular no Brasil desde os Caras Pintadas. 
Quase 200 mil pessoas foram às ruas em diversas partes do país, de Norte a Sul, de Leste a Oeste. A imagem abaixo mostra as ruas do Rio de Janeiro repleta de manifestantes.


Em Brasília manifestantes ocupam a área externa Congresso. Esta certamente é uma das imagens mais simbólicas que já vi na história do país. Só espero que estes manifestantes não tentem invadir e tomar o Congresso. O recado já está sendo dado. Evitemos confrontos desnecessários. A situação do Brasil não requer violência, requer diálogo.


Numa belíssima cena, de mãos dadas, os manifestantes que ocuparam a área externa do Congresso demonstram que o Brasil pode estar num momento crucial de sua história, em que o povo está tomando o poder em suas mãos, e lutando pela transformação do país.

Infelizmente, a manifestação não foi pacífica em todos os lugares. No Rio de Janeiro e Porto Alegre um pequeno grupo de delinquentes vandalizou locais públicos, ateou fogo a veículos e exigiu resposta da polícia. No entanto, as manifestações de hoje, principalmente a de São Paulo, foram marcadas por uma demonstração do poder popular, e pela calma e pacifismo durante os protestos. A todos os participantes que agiram pacificamente, parabéns pelo comportamento. No entanto, para futuros protestos, peço aos manifestantes que virem atos de vandalismo que se lembrem: um delinquente pode manchar a imagem de todo o movimento. Se a maioria se organizar, é possível controlar estes vândalos.

Me despeço de vocês agora, quase 03:30 da manhã, orgulhoso de dizer que sou brasileiro, país cujo povo foi capaz de vencer o conformismo e levantar-se contra as injustiças sociais, lutando por um país melhor. Não pude participar ativamente das manifestações, mas agradeço a todos aqueles que o fizeram por mim. Obrigado, BRASIL!


sábado, 15 de junho de 2013

Winter is [NOT] coming - A dream of spring



The Starks used to say: "Winter is coming". If you have ever watched and/or read the series of books from George Martin, you know what it means. However, winter is not coming in Brazil. It is not even ending. So, how can spring be coming? We can say that the "spring equinox" in the arabic world was December 18th, 2010. The Arab Spring was marked by protests, conflicts, and civil wars. The main causes are the dictatorial regimes, the violation of human rights, corruption, economic problems, unemployment, etc. Certainly the two main goals of the Arab Spring were to bring down the dictatorships and preserve human rights, and these goals demanded popular mobilization and an armed conflict, since obviously whoever was in power would not give it up without a fight.

"It is not only 20 cents", say the mobs about the real cause for these protests. In the beginning it was only 20 cents, the real cause for the mobilization. It is nice to say that the 20 cents were not the cause, but they were. Nevertheless after the violent [re?]action from the police the movement changed. New goals arose, and what once was a protest against the increase of the bus price by 20 cents became the dissatisfaction of the people with their (mostly) corrupt government, the low quality of the health, educational and transportation systems, and public safety problems.

These may have been the most expensive 20 cents of the brazilian history. It may have tiggered what many have been referring to as "Brazilian Spring". This may be the beginning of a popular revolution, and a landmark upon which new conquests will be built. Yet this is not spring. Spring is not coming in Brazil. Many people would like to fight for a better world. I sincerely admire their idealism, and pray that they go on, but we do not have a government killing millions. We do not have a government censoring the internet. We do not have a dictatorship restricting out individual freedom.  [We have Marco Feliciano tough] We do have public safety problems, corruption scandals, low quality health and educational systems. It is worth fighting for all this, but let's not compare our fight with the arabic one. Let's not bring their revolution down to the level of our protests by making this kind of comparison. We are not in winter as they once were, and therefore we can not expect spring to come.

Winter is [NOT] coming - Um sonho de primavera

* English version: 
http://tabacariadozaratustra.blogspot.com/2013/06/winter-is-not-coming-dream-of-spring.html


Já diziam os Starks: "Winter is coming". Quem já assistiu a Game of Thrones e/ou leu a série de livros de George Martin, sabe o significado disto. Mas o inverno não está chegando no Brasil. E também não está terminando. Então, como pode a primavera estar chegando no? Pode-se dizer que o "equinócio de primavera" no mundo árabe se deu em 18 de dezembro de 2010, o início da "revolução". A Primavera Árabe foi marcada por diversos protestos, conflitos e guerras civis. As principais causas foram os regimes absolutistas, violações de direitos humanos, corrupção, problemas econômicos, desemprego, etc. Sem dúvida, o combate aos regimes absolutistas e as violações de direitos humanos foram as duas bandeiras marcantes, e que de fato demandavam mobilização da população para um combate armado, pois obviamente ninguém iria deixar o poder sem luta.

"Não são apenas vinte centavos", é o que dizem os manifestantes sobre a causa dos protestos. No início foram apenas os 20 centavos. É bonito dizer que a causa de tudo não foi apenas 20 centavos, mas foi. No entanto, após a violenta [re?]ação da Polícia Militar, o movimento se transformou. Novas bandeiras surgiram, e o que antes fora apenas 20 centavos se transformou na insatisfação de um povo com relação ao seu governo (em geral) corrupto, aos problemas sociais, à baixa qualidade da educação, saúde e transportes, aos problemas de segurança. 

Estes podem ter sido os 20 centavos mais caros da História do Brasil. Podem ter sido a gota d'água para o que muitos têm chamado de "Primavera Brasileira". Pode ser o início de uma revolução popular, e pode ser um marco para novas conquistas. Mas isto não é primavera. A primavera não está chegando ao Brasil.  Muitos saudosistas gostariam de lutar por um mundo melhor. Admiro o idealismo, e rogo que continuem, mas não temos um governo matando milhões de pessoas. Não temos um governo censurando a internet. Não temos um governo ditatorial nos privando de todas as liberdades individuais (a salvo em alguns casos particulares). [Mas infelizmente temos Marco o Feliciano ] Temos sim problemas de segurança, escândalos de corrupção, saúde e educação de péssima qualidades. Vale a pena lutar por isto, mas não comparemos nossa luta com a primavera dos árabes. Não mediocrizemos a luta deles comparando-a à nossa. Não estamos passando por um inverno como eles passaram, e portanto não podemos esperar que a primavera venha. 


sexta-feira, 14 de junho de 2013

Guy Fawkes e a "baderna" em São Paulo

Os recentes eventos em São Paulo têm ocupado grande parte da minha News Feed do Facebook. Vi que estes eventos tiveram uma repercussão internacional, e diversas pessoas de outras partes do mundo têm compartilhado links com textos de jornais de seus países tratando sobre este tema. Naturalmente, não posso ficar alheio a isto, e venho aqui fazer o que todos fazem (ou adoram fazer): apontar o dedo para os culpados.

Eu fico indignado ao ler o que os revolucionariozinhos filhinhos de papai postam de seus iPhones: como a polícia é má, e como os manifestantes foram injustamente tratados. Sim, parte da polícia é má, e parte dos manifestantes (e dos coitados que estavam no lugar errado na hora errada) foram injustamente tratados. Mas parte dos manifestantes são baderneiros, vândalos, e acho que merecem borrachada.

Também fico indignado ao ver na TV as máscaras do filme V de Vingança ocultando a face de alguns criminosos, enquanto os verdadeiros manifestantes estão mostrando abertamente seus rostos. Lembro-me de como esta máscara outrora simbolizara a transformação, o fim de um regime opressor e a transição para um regime democrático, a liberdade de expressão, a união das pessoas sob uma única bandeira e identidade. Espero que esta máscara seja lembrada juntamente com as reais manifestações em prol da liberdade, e não como o símbolo dos baderneiros que fizeram parte deste belo movimento.

Primeiramente, o que desencadeou esta onda de manifestações? O aumento das tarifas de ônibus de R$ 3,00 para R$ 3,20. Parece pouco, mas este aumento tem profundas implicações para as classes econômicas menos favorecidas. Recomendo este texto que mostra que este aumento implicaria que pessoas de baixa renda seriam obrigadas a pular refeições. Não vou nem comentar sobre a qualidade do transporte público em São Paulo, que todos sabemos que é péssima.

Há tempos eu não via uma manifestação popular no Brasil que tenha tomado tal dimensão. Fico realmente feliz por isto. As redes sociais (e portanto a internet) cumpriram seu papel de mobilizar multidões e leva-las às ruas. Dentre os manifestantes, diversos utilizam máscaras de Guy Fawkes, imortalizado através do personagem V de Vingança, o herói anarquista que inicia a revolução contra um governo fascista. Começa aqui a analogia que só existe na mente de alguns: o governo brasileiro pode ter muitos defeitos, mas certamente não é fascista. E se a proposta da manifestação é ser pacífica, por que esconder o rosto atrás de máscaras? Apesar de ser um grande fã de V de Vingança e um admirador do valor simbólico da máscara de Guy Fawkes, seu uso neste contexto é desnecessário. Ela foi erroneamente utilizada por baderneiros que queriam cometer atos de vandalismo, ocultar suas faces, e se mesclar à multidão. Estes baderneiros não só sujam a imagem do movimento mas também denigrem o valor simbólico da máscara, utilizada em belos movimentos populares durante a Primavera Árabe. Esta mesma máscara é utilizada pelo grupo hacktivista Anonymous em vídeos de suas operações.

Obviamente a proposta do protesto era ser pacífico, e utilizar o poder da mobilização popular para atingir o objetivo de reduzir o preço da tarifa de ônibus. Um grupo de baderneiros se juntou ao movimento para cometer atos de vandalismo, e manchou o nome de todo o movimento. Por isto, peço a todos aqueles que realmente desejam fazer manifestações pacíficas, que denunciem estas pessoas, ou se preferirem agressão, que seja contra estes inimigos internos.

Voltemos nossa atenção agora às ações da Polícia. A Polícia, assim como o movimento, é formada por policiais "bons" e "maus". Muitos deles com seu medíocre salário precisam utilizar ônibus e outras formas de transporte público diariamente, e seguramente estão torcendo pela redução da tarifa. No entanto, é o trabalho deles garantir a ordem, e evitar que o patrimônio público seja depredado por um pequeno grupo de vândalos, o câncer deste movimento.  Por outro lado também sei que existem policiais maus, sádicos, que se juntaram à força policial apenas para oprimir e gozar do poder que o ofício lhes confere, poder este que permite a consumação de atos de violência descabida, sem acarretar a devida condenação.

Portanto, existem dois (talvez) lados deste movimento, e também da polícia. Existem manifestantes bons e maus, assim como existem policiais bons e maus. Cabe aos próprios manifestantes eliminarem o câncer do seu movimento (os vândalos), ao governo e à própria força policial identificar e punir os policiais opressores, e a todos  suportar a maior manifestação popular no Brasil dos últimos tempos.





sexta-feira, 5 de abril de 2013

Eu admiro o Marco Feliciano

Eu admiro o FDPutado Marco Feliciano. Não como líder religioso, não como pastor, não como político, e muito menos como pessoa, pois, convenhamos, ele é uma das piores pessoas que eu tive a felicidade de nunca conhecer, e a infelicidade de não encontrar para esmagar numa discussão. Ele é sem caráter, ignorante, religiosista, racista e preconceituoso. Não fui irônico quando disse que o admiro, mas devo esclarecer as coisas.
Marco Feliciano conseguiu o que diversos movimentos sociais como o Movimento LGBT vêm tentando há anos: o engajamento e posicionamento do grande público frente às (não-)delicadas questões relacionadas aos direitos dos homossexuais. Por que esta questão é tão delicada? Pois se contrapõe aos valores tradicionais da sociedade brasileira, platonicamente liberal, não obstante impregnada pelo legado conservador de uma nação de passado escravagista, que não conhece o valor da mobilização em prol da transformação, à qual tudas as mudanças lhe foram concedidas sem luta, sociedade esta que herdou valores advindos da aristocracia ruralista ligada à TFP (Tradição Família e Propriedade). E por que esta questão é tão delicada? Pela simples razão que é inconcebível alguém tentar interferir nas questões relacionadas aos direitos dos homossexuais, visto que a conquista destes direitos pelos homossexuais não afetaria em absolutamente nada a vida do grupo antagônico, no máximo seu ego.
Voltando à minha admiração por Marco Feliciano. Eu diria que há tempos não se via tanto engajamento e posicionamento político da população com relação a um tópico. Marco Feliciano e suas estúpidas ideias são a causa disto. Basta ver que nas redes sociais o assunto tomou grandes proporções quando de sua posse da Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Em questão de poucos dias centenas de milhares de pessoas haviam manifestado seu descontetamento através de abaixo-assinados online, as hashtags #MarcoFeliciano ,#CDHM, #ForaMarcoFeliciano eram tendências no Twitter e ele era o personagem da vez na imprensa. Diversas imagens de pessoas dizendo que "Marco Feliciano não me representa" foram compartilhadas no Facebook. As coisas pioraram quando absurdos tweets de Feliciano foram revisitados, e mensagens de incitação à homofobia foram encontradas. Num destes tweets Feliciano diz que "a podridão dos sentimentos dos homoafetivos leva ao ódio, ao crime, à rejeição". Isto faz tanto sentido quanto dizer que a causa do aquecimento global são as crianças que não comem danoninho, ou seja, não tem sentido nenhum.
Além de declarações sexistas, Marco Feliciano também fez declarações racistas, supostamente baseadas naquele best seller de literatura fantástica chamado bíblia. Numa destas ele diz que  "Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato.". Poderia focar minha argumentação aqui no fato de os primeiros hominídeos serem, provavelmente, de origem africana, e portanto seríamos todos amaldiçoados, ou na descabida ideia de que ele acredita em Noé, um sujeito que construiu um barco enorme, colocou  um macho e uma fêmea de cada espécie, e depois do dilúvio causado por um deus que é onipotente (capaz de extinguir todos os humanos como e quando quiser) e bondoso (que apesar de ser bom, resolveu castigar seus filhos inundando todo o planeta), repopulou a Terra.
O resultado das mensagens de Feliciano foi um  processo que está neste momento sendo julgado. Apesar de considerar absurdas as ideias de Feliciano, ainda defendo seu direito de expressá-las livremente em sua conta pessoal do Twitter, sem quaisquer represálias, visto que a liberdade incondicional de expressão deve, em minha opinião, prevalecer.
Marco Feliciano certamente representa um marco, sem trocadilhos, na história dos movimentos sociais no Brasil, principalmente no que tange às questões homoafetivas. Nota-se uma clara polarização entre dois grupos, a favor, e contra os direitos homossexuais. Não se sabe ainda qual grupo será vitorioso, mas a ruptura com o atual paradigma tradicionalista pode ocorrer nos eventos que envolvem a subida e possível queda de Feliciano da Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Vale ressaltar que esta polarização não se restringe à simples questão homoafetiva, mas reflete, num contexto mais amplo, o embate de valores liberais e tradicionais. Por ter proporcionado esta polarização da sociedade, eu só tenho a agradecê-lo. Por angariar tantos apoiadores incapazes de pensar por si só, que estão contendo o avanço da sociedade, só me resta lamentar a existência do FDPutado Marco Feliciano.




segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Pelo direito à ofensa

Em 2010 uma pobre coitada chamada Mayara Petruso ficou indignada com o resultado das eleições e xingou muito no Twitter. Suas palavras (ver imagem ao final da página): "Nordestisto não é gente, faça um favor a Sp, mate um nordestino afogado".  Resultado: a Justiça Federal condenou-a a 1 ano, 5 meses e 15 dias de reclusão por crime de discriminação. Pelo menos esta pena foi convertida em multa e serviços comunitários, evitando o aumento da população carcerária e os gastos públicos com presos.

Não tenho a menor intenção de defendê-la. O que me preocupa é saber que qualquer um de nós pode ter problemas com a justiça por postarmos textos considerados "preconceituosos" na internet. O erro de Mayara não foi ter uma opinião preconceituosa e demonstrar abertamente esta opinião, seu erro foi incitar a violência contra os nordestinos. E mesmo isto sendo um "erro", no sentido que lhe faltou bom senso, ainda sim isto não o foi, já que ela simplesmente demonstrou uma (desprezível) opinião.

E por que estou escrevendo este texto? Hoje, na Era da Informação, tudo o que se torna público é passível de julgamento por parte das pessoas. Não se pode fazer piadas de humor negro, não se pode ter pré-conceito, blá blá blá... É a triste era do politcamente correto, em que toda mensagem transmitida deve obedecer às regras sociais e pseudo-morais. Como já disse, reprovo totalmente a ação de Mayara, mas ainda assim defendo sua liberdade de se expressar. Faltou bom senso, sim, ao incitar a violência.  Tudo isto poderia ter sido evitado. Mas uma simples demonstração de preconceito não pode ser condenada (juridicamente). Existem direitos fundamentais que devem prevalecer, incomodem a quem incomodar, e a liberdade de expressão é um destes.

Engraçado é observar que o preconceito é praticado largamente em diversos nichos sociais. 
Chamam usuários de maconha de drogados (algumas igrejas ainda dizem que eles têm o capeta no corpo :p ). Não estou vendo pastores condenados. 
Discriminam candidatos a empregos que não estejam "vestidos adequadamente", como se isto fosse interferir na capacidade da pessoa em executar determinadas funções. Cadê a justiça para tomar providências?
Saiu na "Folha Universal", um boletim da Igreja Universal uma notícia dizendo "Juventude perdida compra ingressos para show de músicas do diabo". Na mesma notícia há uma foto de um grupo de adolescentes acompanhada do texto "totalmente emaconhados os jovens gritavam 'Maiden Maiden' e comemoravam a aquisição do ingresso para o culto ao tinhoso". Está clara a mensagem preconceituosa que incita o ódio aos fãs de heavy metal. Também não vi prisão aqui.
* Notem que tenho uma relação não muito amigável com a Igreja Universal (e com muitas outras). Mas não posso falar sobre isto, sob pena de represálias.  

Como podem ver, os dirigentes das igrejas, assim como Mayara, também deveriam ser condenados por incitar o ódio e por transmitir mensagens preconceituosas. Mas isto não acontece. Há uma incoerência, e só as pobres Mayara's são consideradas culpadas, enquanto os verdadeiros proliferadores das ideias preconceituosas não são o são.

Na realidade, todos estão, de alguma forma, manifestando suas opiniões, e isto não pode nunca ser condenado. Imaginem se eu fosse guardar rancor contra todas as pestes na escola primária que faziam a cabeça dos outros para conjuntamente me chamarem de gordinho e me escolherem por último nas aulas de educação física? É uma forma de discriminação, mas eu sou melhor que isto, e sei que também o são os milhões de nordestinos que foram discriminados pela Mayara. Certamente eles sabem que ela não tem noção nenhuma da importância histórica do povo nordestino para o país, e que é digna de desprezo por sua mente limitada.

Depois de vários séculos em que vários tipos de liberdade foram censuradas, dentre elas a liberdade de expressão, o Iluminismo conseguiu retomar valores essenciais como as liberdades individuais. No entanto, inesperadamente, a Era da Informação está, de certa forma, facilitando estas liberdades, e ao mesmo tempo as tolhendo, uma vez que toda opinião é registrada e posta a julgamento. A sociedade caminha, infelizmente, para uma nova era de censura e falso moralismo. Encerro estas reflexões com uma célebre frase atribuída ao filosófo iluminista francês Voltaire: "Je ne suis pas d'accord avec ce que vous dites, mais je me battrai jusqu'à la mort pour que vous ayez le droit de le dire" (Não concordo com o que dizeis, mas irei lutar até a morte para que tenha o direito de dizê-lo).







sábado, 9 de fevereiro de 2013

Sobre a punição dos invasores da reitoria da USP

Em 2011 houve mais uma das "greves estudantis" na USP. Coloquei greves estudantis entre aspas para frisar o meu desconhecimento do real significado da expressão. Estudantes se recusando a prosseguir normalmente com a vida acadêmica, na minha opinião, não é greve, e sim burrice. Defendo paralizações (para fins organizacionais), mobilizações e manifestações, mas greve de estudantes não não tem sentido.

E o que desencadeu esta greve? Sei lá! A maioria das vezes querem mais professores, funcionários, etc.  Muitas vezes querem melhores condições, moradia estudantil. E algumas vezes querem a implementação de políticas assistencialistas que praticamente paguem-os para estudar. Eu realmente acho lindas as pautas de reivindicação destas greves. Concordo com muitas delas, mas sei que (infelizmente) não é possível cagar dinheiro para injetar na universidade. Muita gente que está lendo este texto agora deve estar pensando: mas se não houvesse corrupção sobraria mais dinheiro, se não gastassem tanto com a Copa sobraria mais dinheiro, blá blá blá. Sim, são muitos se's. Se estes estudantes de uma faculdade pública não estivessem fazendo "birrinha" para parar de estudar, ou quebrando parte do prédio da reitoria da USP também sobraria mais dinheiro (dinheiro público). Naturalmente também sei que para muitos sou um dos manipulados pela mídia reacionária, e na verdade ninguém quebrou nada no prédio da reitoria (foi a mídia que me manipulou), e eu sou um pobre coitado sem opinião própria, e blá blá blá. Já aviso que não tenho TV, e minha fonte de informações é exclusivamente a internet, incluindo blogs e outros veículos de notícias (e não as versões virtuais dos tradicionais jornais).

À parte o real motivo que desencadeou a "greve", voltemos à questão da invasão. Em uma das assembleias estudantis deliberou-se pela ocupação do prédio da da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas). Não vou entrar no mérito da representatividade das assembleias que são decididas por uma minoria, e vou considerar que ela realmente representa todos os estudantes (o que obviamente não é verdade). Na referida assembleia foi deliberado que a FFLCH seria ocupada. Algum tempo depois outra assembleia deliberou sua desocupação. O corpo estudantil democraticamente tomou uma decisão. Eu, pessoalmente, não gosto desta decisão, mas entendo e aceito a prevalência da democracia. Este seria o primeiro marco do fim da desocupação.

No entanto, não satisfeitos com esta decisão de desocupação, tomada durante a soberana assembleia, um pequeno grupo de estudantes tomou uma decisão contrária à do corpo estudantil,  e invadiu o prédio da reitoria. Ao interesse de quem eles atendiam? Uns dizem que são de partidos políticos, outros a interesses próprios. Na verdade, isto não me importa.O fato é que uma minoria não-representativa decidiu invadir o prédio da reitoria. Como se não bastasse isto, houve pichação e depredação. Foi uma infeliz atitude infantil por parte destes setenta e poucos estudantes. Mas infantil ainda foi o Sr. Rodas, reitor da USP, convocar a polícia para executar uma reintegração de posse. Reintegração de posse de um prédio público: eis outra coisa sem sentido. Se é público, a posse é, em tese, de todos (mas não dá a ninguém o direito de pichar, depredar, ou impedir que cumpra seu propósito). Portanto, o Sr. Rodas não pode pedir reintegração de posse, pois o prédio não é dele. Aliás, o prédio é mais dos 72 invasores do que dele, que é apenas uma pessoa. Mas o prédio é mais dos milhões de contribuintes do estado de São Paulo, que esperam que seus impostos sejam revertidos a determinadas aplicações, dentre elas um prédio cuja função é ser a reitoria de uma universidade, do que dos 72 invasores.

Sendo assim, está claro que uma minoria tomou uma decisão que não reflete o interesse do corpo estudantil, e agiram por vontade própria. Não preciso dizer que eles são, obviamente culpados, e cometaram um crime passível de prisão. Assim como faltou bom senso ao invasores ao invadir a reitoria, e ao Sr. Rodas ao chamar a Polícia Militar, também faltou bom senso ao Ministério Público. Estes invasores são pobres coitados que só queriam entrar pra história, que têm um profundo sentimento de nostalgia dos tempos que não viveram, em que a luta estudantil era admirável, e contribuia para construir um país melhor. Eles precisam ser considerados culpados, sim, pois de fato o são. Mas entre considerá-los culpados e condená-los a cumprir pena, seja ela qual for, há uma grande distância. Condená-los por depredação é uma coisa, por formação de quadrilha é algo ridículo.

Há quem diga que faltou bom senso à Polícia Militar na ação, já que foram centenas de soldados armados, helicópteros, para reintegrar a posse, enquanto os invasores eram setenta e poucos. Neste ponto acho que houve um acerto, já que esta clara demonstração de poderio evitou conflitos e garantiu a saída pacífica dos invasores. Claro que há as denúncias de agressão por parte da PM, mas são casos pontuais e não refletem o comportamento geral da polícia, que foi adequado.

Enfim, o episódio da invasão é lamentável e ambas as partes cometeram erros. Mas por que o Ministério Público resolveu ressucitar isto agora? Não havia necessidade. Os invasores já aprenderam  (ou não) a lição, quando foram levados para a delegacia. Todos sabem que mesmo errando, suas intenções não eram ruins. Há tantas outras coisas com as quais o Ministério Público poderia se ocupar, tantos problemas para serem resolvidos, e ele perde seu tempo acusando as criancinhas pseudo-revolucionárias das nossas universidades de formação de quadrilha. Encerro o texto com o que pensei quando vi esta notícia: "Puta que pariu, Ministério Público, vai arrumar o que fazer!". 




sábado, 12 de janeiro de 2013

Campanha pela Ciência Livre e a Morte de Aaron Swartz

Hoje fiquei sabendo da morte Aaron Swartz (08/11/1986-11/01/2013), programador e cyberativista. Para quem não o conhece, Aaron Swartz foi um dos criadores do RSS (RDF Summary Site),  que são os resumos do texto juntamente com o link para versões completas. Ele também foi cofundador do site Reddit e um grupo de ativismo online chamado Demand Progress. Aaron cometeu suicídio no dia 11 de janeiro de 2013.
Desde julho de 2011 Aaron estava preso sob alegações de crimes virtuais. O principal motivo foi sua engenhosa ideia de fazer o download de quase 5 milhões de artigos científicos do site JSTOR e disponibilizá-los livremente na internet. É sobre isto que comentarei no restante deste texto.
Pensemos agora: 
- a Ciência tem, em grande parte, financiamento público; 
- os cientistas produzem artigos como resultados de pesquisas financiadas pelo público; 
- os artigos são publicados em periódicos de acesso restrito (o público precisa pagar para acessá-los).
WHAT THE FUCK? É como você comprar os ingredientes para um bolo, da-los a alguém para confeita-lo, e no final ter que pagar (muito mais caro que o preço dos ingredientes) pelo bolo cujos ingredientes você mesmo pagou. Naturalmente, esta situação é absurda.
O problema não é tão simples, visto que os periódicos precisam de um certo financiamento para impressão (que hoje em dia eu considero desnecessária, já que é mais fácil selecionar o artigo de interesse e imprimi-lo), manutenção do site, etc. Os custos supracitados são baixíssimos, de forma que uma pequena taxa paga pelos autores de artigos já seria suficiente para cobri-los. Não quero discutir aqui quem deveria financiar isto.
Vale ressaltar que artigos científicos são avaliados por pares, ou seja, existem pessoas que fazem a avaliação e revisão para garantir sua qualidade, processo este conhecido como peer reviewing. Estes revisores geralmente não recebem nem um centavo, e o editor do artigo (responsável por enquadrar o artigo nos padrões do periódico em questão, e fazer a comunicação entre autor e avaliador) muitas vezes também não.
Em resumo: no processo de publicação de artigos científicos há muita gente lucrando, menos os que efetivamente trabalham (autores e avaliadores). Existem exemplos de periódicos científicos que praticam conceitos de Open Science, que são os Open Journals. O problema com estes periódicos é que seu fator de impacto é, em geral, mais baixo que o dos demais de acesso restrito. No Brasil e em várias outras partes do mundo, esta métrica acadêmica afeta a concessão de recursos financeiros, desestimulando a publicação em periódicos de acesso aberto.
Voltemos ao tema inicial: o livre acesso aos artigos científicos. Existe uma organização chamada PLOS que advoga pelo livre acesso à informação científica. Peço aos meus caros colegas cientistas e acadêmicos em geral que leiam um pouco sobre o assunto e tentem romper com este paradigma. Tentem privilegiar periódicos open access e espalhem a mensagem. 
Às pessoas que não têm acesso mas têm interesse em artigos acadêmicos cujo acesso é restrito, escrevam a pessoas que têm acesso pedindo-lhes que enviem os textos de interesse. Se possível, usem  softwares peer-to-peer para isto. Afinal, compartilhar conhecimento não deveria ser um crime.


Links relacionados:
http://tech.mit.edu/V132/N61/swartz.html
http://en.wikipedia.org/wiki/Aaron_Swartz
http://www.nytimes.com/2011/07/20/us/20compute.html?_r=0
http://www.guardian.co.uk/science/2012/apr/09/wellcome-trust-academic-spring
http://www.plos.org/
http://blogs.estadao.com.br/tatiana-dias/nao-foi-em-vao-aaron-swartz/

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Do início do ano e o nome dos meses

Por que o ano novo é em primeiro de janeiro? 
Pode parecer uma pergunta trivial, mas poucas pessoas sabem a real razão. Por que a chegada do Ano Novo é celebrada em primeiro de janeiro (01/01)? 

A maioria dos calendários foram construídos baseando-se em eventos astronômicos ou ritos religiosos. Não há nenhum evento astronômico especial em primeiro de janeiro. Então, por que esta data foi escolhida como referência? 
Outra pergunta interessante está relacionada à nomenclatura dos meses: por que o ano começa em janeiro, sendo que os meses de setembro, outubro, novembro e dezembro estão associados a números (veja os radicais dos nomes - setembro: 7, outubro: 8, novembro: 9, dezembro: 10) que não correspondem à real contagem destes meses (setembro: 9, outubro: 10, novembro: 11, dezembro: 12)? Por que não nomearam os meses de acordo com a data de referência do ano novo?

Para responder às perguntas anteriores, precisamos primeiro compreender o calendário romano anterior à época de Júlio César. Este calendário era lunar. Haviam 10 meses com nomes e dois meses não nomeados, que correspondem ao ápice do inverno, desfavorável à agricultura. Os dez meses com nomes são: martius (março), aprilis (abril), maius (maio), junius (junho), quintilis (julho), sextilis (agosto), september (setembro), october (outubro), november (novembro), e december (dezembro). Havia também um mês chamado intercalaris que tinha comprimento variável, que de tempos em tempos tinha sua duração alterada para adequar o calendário às estações do ano. Nesta época, o mês começava em primeiro de março. O nome do mês de março (martius) deve-se à divindade romana da guerra, Marte, e marcava o momento de retomar a guerra. O mês de abril (aprilis) está relacionada à deusa da beleza e do amor, Vênus, e tem origem no etrusco Apru. Maio (maius) significa "a grandiosa", e refere-se à deusa da primavera, filha de Fauno e esposa de Vulcano. Junho (junius) tem origem no culto à deusa Juno, a principal do Panteão Romano, divindade do casamento e do bem estar das mulheres, esposa (e irmã) do deus de todos os deuses, Júpiter. Os nomes dos meses subsequentes são simplesmente a identificação da ordem do mês no calendário, quintilis correspondendo ao quinto mês, e assim sucessivamente. 

Os meses não nomeados de janeiro e fevereiro foram inseridos apenas no século VII a.C. pelo segundo rei de Roma, Numa Pontilius. O nome janeiro refere-se ao deus Janus, divindade associada às portas, frequentemente representada como duas faces voltadas a duas direções opostas. O mês de fevereiro deve seu nome ao antigo festival da purificação (Februa), praticado usualmente na metade deste mês.

O mensis intercalaris (mês intercalado) tinha em média 27 dias, e consistia na inserção de 22 dias após 23 ou 24 de fevereiro. Desta forma, quando o mês intercalado era inserido, o ano passava a ter duração de 377 ou 378 dias. Idealmente, um mês deveria ser intercalado a cada quatro anos, fazendo com que o ano tivesse duração média de 366,25 dias neste período. As intercalações eram responsabilidade dos pontífices, que frequentemente ocupavam cargos políticos. Desta forma, na prática, este mês intercalado não era corretamente incorporado ao calendário a fim de diminuir e/ou aumentar mandatos, uma vez que o mandato dos governantes correspondia a um ano, segundo o calendário. Após a Segunda Guerra Púnica (de 218 a 201 a.C.) e durante as guerras civis vários ciclos de meses intercalados foram omitidos, o que levou aos "anos de confusão" e a uma enorme discrepância entre as estações do ano e o calendário. Este efeito teve seu apogeu no governo de Júlio César, que foi quem iniciou a transição par o novo calendário.

Em 46 a.C. o calendário romano foi reformado. Júlio César, então ditador, consultou o astrônomo Sosígenes de Alexandria, e foi aconselhado a adotar um calendário solar (ano de 365,25 dias), como o faziam os egípcios. Desta forma, a partir de 46 a.C., o ano passou a ser iniciado em 1 de janeiro. Júlio César também decretou que a cada 4 anos um dia deveria ser adicionado ao mês de fevereiro, para corrigir os 0,25 dias de diferença entre o ano solar (365,25 dias) e o ano de 365 dias. Esta é a origem do calendário juliano, que foi usado por muito tempo, e ainda é usado por alguns.

Conforme dito anteriormente, em Roma o mandato dos governantes era de um ano. Após a instauração do calendário juliano, convencionou-se que o ano começava em 1 de janeiro. Alguns historiadores acreditam que esta convenção remonta a 153 a.C., e fora apenas absorvida pelo novo calendário, apesar de não haver consenso sobre a veracidade desta ideia.

Em 44 a.C. Júlio César mudou o nome do mês de quintilis (quinto) para Julius, em um ato de narcisismo. O mês sextilis (sexto) só fora mudado para agosto em homenagem ao imperador Augustus algum tempo depois.