segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Esse tal Chopis Centis...




Mamonas Assassinas: ídolos musicais de uma geração. Entre seus inúmeros trabalhos estão as conhecidas canções "Robocop Gay" e "Pelados em Santos". Pode-se adicionar a esta lista uma canção que não é simplesmente uma canção, mas um profecia: "Chopis Centis". Esta canção retrata a recente ascensão econômica da chamada classe C, que com maior poder aquisitivo começou a comprar diversos eletroeletrônicos que até então eram privilégio das classes mais favorecidas. Isto pode ser visto no trecho "A minha felicidade / É um crediário / Nas Casas Bahia". Nesta mesma música há um outro trecho muito interessante:

Esse tal "Chópis Cêntis"
É muicho legalzinho,
Pra levar as namoradas
E dar uns rolêzinhos

Pois é. A profecia fez-se cumprir. A classe média ascendeu (pelo menos é o que parece). 

Agora jovens de periferia também têm acesso aos mesmos meios de entretenimento que a classe média. Um destes meios são os shopping centers, onde a juventude caminha de um lado para o outro nos fins de semana, e fazem um "social". Agora os jovens de periferia também resolveram fazer a mesma coisa. Qual o problema?  Na visão dos agentes da lei, governantes, donos de shopping e das classes mais ricas, o problema é: "Éééééé..... Éééé... Ah, eles não deviam marcar de vir ao shopping todos de uma só vez, no mesmo dia". [E ainda dizem que os jovens que participam deste rolezinhos - designa-los-ei apenas por "rolezeiros" - precisam de mais educação, mesmo sendo esta hipócrita classe privilegiada incapaz de argumentar lógica e coerentemente.]  Então, qual é o problema? Eu direi qual é o problema. Os ricos não gostam de ver pobres (arriscaria dizer pretos, já que a correlação é óbvia por razões históricas) nos locais tradicionalmente frequentados por eles. Isto não "agrega valor ao camarote". Podemos fazer uma analogia com os Estados Unidos e Europa no final do século XIX e início do século XX, quando da dicotomização política e social (mas não econômica) entre a aristocracia (old money) e os nouveau riche (new money).

Nas discussões recentes sobre os rolezinhos tenho visto que não há argumentos de verdade para vedar o acesso dos rolezeiros ao Chopis Centis. Existe apenas uma estúpida lei que qualifica qualquer agremiação não autorizada como crime. Nós, enquanto indivíduos livres, não devemos aceitar leis que decidam com quem, quantos, onde, ou quando podemos nos encontrar. Este tipo de restrição é conveniente a Estados totalitaristas que querem suprimir agremiações potencialmente perigosas à manutenção do governo e da ordem vigente. Enquanto o Estado interferir na economia, todos os estabelecimentos comerciais, incluindo os shoppings, devem tratar os potenciais consumidores igualmente, incluindo rolezeiros, brancos, pretos, azuis, homens, mulheres, transsexuais, hermafroditas, etc. Mesmo sendo o shopping uma propriedade privada, ele é, antes de tudo, um estabelecimento comercial, e deve permitir o acesso de todas as pessoas, conforme a lei que protege os cidadãos da discriminação.

Faço aqui um parênteses para expor minha real opinião. O Estado interfere excessivamente na economia e na vida das pessoas. Seu papel deveria ser minimizado. Não estou propondo um anarquismo total, pois não acho que todos os seres humanos já estejam preparados para a verdadeira anarquia e para a auto-gestão, mas um Estado mínimo, algo próximo à minarquia, nos moldes do pensamento objetivista de Ayn Rand. Neste cenário, prevaleceria o verdadeiro livre mercado, que por definição não sofre interferência estatal.  E o que isto tem a ver com os rolezinhos? Neste meu mundo quase-ideal, por ser o shopping uma propriedade privada, é direito do dono restringir o acesso, permitindo a entrada apenas de pessoal autorizado. Sendo assim, os rolezeiros teriam que ir rolezar em outro lugar.

À parte cenários ideais presentes em meu pensamento, no mundo real o shopping não pode impedir a entrada de ninguém. É possível restringir o número máximo de pessoas no shopping por razões de segurança, mas não quem efetivamente está lá dentro.

Outra questão relevante é a real motivação dos rolezinhos. Os rolezeiros dizem não estar protestando contra nada. Eles só querem ir ao shopping, "levar as namoradas, e dar uns rolezinhos", e ostentar roupas, calçados e acessórios extremamente caros numa frívola disputa por sei-lá-o-quê. Não sei como pagam por isto, já que eu que trabalho mais de 10 horas por dia, tenho um celular antigo, e quando preciso comprar um tênis acho 150 reais caro. Desde que realmente paguem honestamente por estas coisas - isto inclui parcelar a dívida em 1000 vezes - eu não dou a mínima. Quer ostentar? Vai ostentar na PQP, na casa da vovó, ou no shopping, não é meu problema. Vocês são livres para ostentar onde quiserem, assim como eu sou livre para achar isto ridículo (mas ainda assim defendo o direito dos rolezeiros de serem o que quiserem - incluindo ridículos).


O que escreverei agora aplica-se apenas aos rolezeiros ostentadores, que são a maioria. O que me preocupa é a matemática. Eu sei que os pais de muitos rolezeiros trabalham em 2 ou mais empregos, e por isto conseguem proporcionar uma "melhor" qualidade de vida aos seus filhos. Outros rolezeiros trabalham quatro meses para comprar a camiseta que usa. Mas não sejamos ingênuos. Não é possível que todos eles tenham todos aqueles produtos sem terem apelado para meios ilícitos. Não estou acusando ninguém de roubo. Apenas chamo atenção para o óbvio que tem sido esquecido em prol daquele discursinho pseudo-intelectual, que tenta atribuir um diferente caráter (sociopolítico) a uma mera bagunça de jovens: o fato de que a matemática não está correta! 

Encerro com um discurso interessante supostamente publicado por um rolezeiro que organizou um dos rolezinhos. Meu recado para os revolucionários-wannabe protetores dos fra(s)cos e (c)o(m)primidos: vejam a última parte grifada.




domingo, 12 de janeiro de 2014

Manifesto da Guerrilha pelo Acesso Livre (e o aniversário da morte de Aaron Swartz)



Há exatamente um ano postei neste blog (leitura recomendada) sobre a morte do programador e cyberativista Aaron Swartz (1986-2013). 

Aaron supostamente cometeu suicídio em 11 de janeiro de 2013. Em julho de 2011 Aaron foi processado por fraude eletrônica, fraude de computador, obtenção ilegal de informações a partir de um computador protegido. Tal processo foi iniciado pela companhia JSTOR, uma enorme organização que compila artigos científicos de diversos periódicos e os vende online. Aaron fizera o download de milhões destes artigos de uma só vez. Como ele nunca publicou estes artigos, após o processo inicial, ele concordou em "devolvê-los" à JSTOR e declarou não ter nenhum interesse financeiro na empreeitada. Portanto, não houve crime. 

Algumas semanas depois a Promotoria de (In)Justiça de Boston o indiciou por diversos motivos, pedindo 35 anos de prisão (wtf??) e uma multa exorbitante. Aaron declarou-se inocente (o que de fato era). A JSTOR interveio e disse não ter sido prejudicada por suas ac'ões. No entanto a promotoria prosseguiu com o processo, e após um custoso processo penal, um julgamento fora marcado para abril de 2013. Aaron, que nunca comentava sobre o assunto, pode ter sofrido um profundo trauma psicológico com estes acontecimentos e esta pode ter sido uma das causas do suicídio.

Este conflito ideológico tange a uma questão mais fundamental: a liberdade de informação e a liberdade da internet. O conhecimento é uma mercadoria? As informações devem ser livremente copiadas e residtribuídas? E os artigos científicos resultados de pesquisas financiadas por órgão públicos, por que diabos elas são vendidas pelas editoras? Estes assuntos são demasiado extensos para serem tratados em um só post.

Assista a um comentário (em inglês) de Aaron sobre as mudanças sociais, econômicas e midiáticas ocasionadas pelo advento da internet.



Sobre este tema, Aaron Swartz escreveu um manifesto que se tornaria o principal texto dos militantes do acesso livre, chamado de Manifesto da Guerrilha pelo Acesso Livre, cuja tradução é mostrada abaixo.


Para saber mais:



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MANIFESTO DA GUERRILHA PELO ACESSO LIVRE

* Tradução livre do texto original de Aaron Swartz.

Informação é poder. Mas como todo poder, existem aqueles que querem mantê-lo para si mesmos. Todo o legado científico e cultural do mundo, publicado em jornais e revistas ao longo dos séculos, está sendo cada vez mais digitalizado e trancados por algumas corporações privadas. Quer ler artigos que descrevem os mais recentes avanços científicos? Você precisa precisará enviar enormes quantias para editoras como a Elsevier.

Há aqueles lutando para mudar esta realidade. O Movimento pelo Acesso Livre tem bravamente lutado para assegurar que cientistas não assinem cedendo seus direitos autorais, mas em vez disto, que publiquem seu trabalho na Internet, sob condições que permitam que qualquer um interessado os acesse. Porém, mesmo nos melhores cenários, isto seria aplicado apenas a coisas futuramente publicadas. Tudo até agora terá sido perdido.

Este é um preço muito alto a se pagar. Obrigar pesquisadores a pagar para ler trabalhos de seus colegas? Digitalizar bibliotecas inteiras permitindo apenas que o pessoal do Google as leia? Fornecer artigos científicos a universidades de Primeiro Mundo, mas não a crianças do Sul Global? Isto é ultrajante e inaceitável.

"Eu concordo", dizem muitos, "mas o que podemos fazer? As companhias detêm os direitos autorais, elas ganham uma enorme quantidade de dinheiro através da cobrança pelo acesso, e isto é perfeitamente legal - não há nada que possamos fazer para detê-las." Mas há algo que podemos fazer, algo que já tem sido feito: contra-atacar.

Aqueles que têm acesso a estes recursos - estudantes, bibliotecários, cientistas - a vocês lhes foi dado um privilégio. Vocês têm a chance de se alimentar neste banquete de conhecimento enquanto o resto do mundo está impedido. Mas vocês não precisam - na verdade, moralmente, não podem - manter este privilégio para si mesmos. Vocês têm um dever de compartilhar isto com todo o mundo. E vocês têm que emprestar senhas a colegas, preencher pedidos de downloads para amigos.

Enquanto isto, aqueles que foram impedidos  não estão de braços cruzados. Vocês têm se esgueirado através de buracos e pulado cercas, libertando informações trancadas pelas editoras e compartilhando-as com amigos.

Mas todas esta ação acontece no escuro, escondida por debaixo do solo. É chamada de roubo ou pirataria, como se o compartilhamento de uma riqueza de conhecimentos fosse o equivalente moral ao saqueamento de navios e assassinato da tripulação. Mas compartilhar não é imoral - é um imperativo moral. Somente aqueles cegos pela ganância recusariam a um amigo fazer uma cópia.

Grandes corporações, obviamente, estão cegas pela ganância. As leis sob as quais operam exigem  isto - seus acionistas revoltar-se-iam se fosse diferente. E os políticos que elas compraram as apoiam, aprovando leis concedendo a estas poder exclusivo para decidir quem pode fazer cópias.

Não há justiça em seguir leis injustas. É hora de vir à luz e, na grande tradição de desobediência civil, declarar nossa oposição a este roubo privado da cultura pública. Nós precisamos pegar informação, onde quer que ela esteja armazenada, fazer nossas cópias e compartilhá-las com o mundo. Precisamos levar coisas protegidas por direitos autorais e adicioná-las ao arquivo. Precisamos comprar banco de dados secretos e colocá-los na Web. Precisamos baixar periódicos científicos e subi-los para redes de compartilhamentos de arquivos. Precismos lutar pela Guerrilha pelo Acesso Livre.

Com muitos de nós, em todo o mundo, não apenas enviaremos uma forte mensagem de oposição à privatização do conhecimento - faremos disto algo do passado. Você vai se juntar a nós?

Aaron Swartz

Julho de 2008, Eremo, Itália