segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Pelo direito à ofensa

Em 2010 uma pobre coitada chamada Mayara Petruso ficou indignada com o resultado das eleições e xingou muito no Twitter. Suas palavras (ver imagem ao final da página): "Nordestisto não é gente, faça um favor a Sp, mate um nordestino afogado".  Resultado: a Justiça Federal condenou-a a 1 ano, 5 meses e 15 dias de reclusão por crime de discriminação. Pelo menos esta pena foi convertida em multa e serviços comunitários, evitando o aumento da população carcerária e os gastos públicos com presos.

Não tenho a menor intenção de defendê-la. O que me preocupa é saber que qualquer um de nós pode ter problemas com a justiça por postarmos textos considerados "preconceituosos" na internet. O erro de Mayara não foi ter uma opinião preconceituosa e demonstrar abertamente esta opinião, seu erro foi incitar a violência contra os nordestinos. E mesmo isto sendo um "erro", no sentido que lhe faltou bom senso, ainda sim isto não o foi, já que ela simplesmente demonstrou uma (desprezível) opinião.

E por que estou escrevendo este texto? Hoje, na Era da Informação, tudo o que se torna público é passível de julgamento por parte das pessoas. Não se pode fazer piadas de humor negro, não se pode ter pré-conceito, blá blá blá... É a triste era do politcamente correto, em que toda mensagem transmitida deve obedecer às regras sociais e pseudo-morais. Como já disse, reprovo totalmente a ação de Mayara, mas ainda assim defendo sua liberdade de se expressar. Faltou bom senso, sim, ao incitar a violência.  Tudo isto poderia ter sido evitado. Mas uma simples demonstração de preconceito não pode ser condenada (juridicamente). Existem direitos fundamentais que devem prevalecer, incomodem a quem incomodar, e a liberdade de expressão é um destes.

Engraçado é observar que o preconceito é praticado largamente em diversos nichos sociais. 
Chamam usuários de maconha de drogados (algumas igrejas ainda dizem que eles têm o capeta no corpo :p ). Não estou vendo pastores condenados. 
Discriminam candidatos a empregos que não estejam "vestidos adequadamente", como se isto fosse interferir na capacidade da pessoa em executar determinadas funções. Cadê a justiça para tomar providências?
Saiu na "Folha Universal", um boletim da Igreja Universal uma notícia dizendo "Juventude perdida compra ingressos para show de músicas do diabo". Na mesma notícia há uma foto de um grupo de adolescentes acompanhada do texto "totalmente emaconhados os jovens gritavam 'Maiden Maiden' e comemoravam a aquisição do ingresso para o culto ao tinhoso". Está clara a mensagem preconceituosa que incita o ódio aos fãs de heavy metal. Também não vi prisão aqui.
* Notem que tenho uma relação não muito amigável com a Igreja Universal (e com muitas outras). Mas não posso falar sobre isto, sob pena de represálias.  

Como podem ver, os dirigentes das igrejas, assim como Mayara, também deveriam ser condenados por incitar o ódio e por transmitir mensagens preconceituosas. Mas isto não acontece. Há uma incoerência, e só as pobres Mayara's são consideradas culpadas, enquanto os verdadeiros proliferadores das ideias preconceituosas não são o são.

Na realidade, todos estão, de alguma forma, manifestando suas opiniões, e isto não pode nunca ser condenado. Imaginem se eu fosse guardar rancor contra todas as pestes na escola primária que faziam a cabeça dos outros para conjuntamente me chamarem de gordinho e me escolherem por último nas aulas de educação física? É uma forma de discriminação, mas eu sou melhor que isto, e sei que também o são os milhões de nordestinos que foram discriminados pela Mayara. Certamente eles sabem que ela não tem noção nenhuma da importância histórica do povo nordestino para o país, e que é digna de desprezo por sua mente limitada.

Depois de vários séculos em que vários tipos de liberdade foram censuradas, dentre elas a liberdade de expressão, o Iluminismo conseguiu retomar valores essenciais como as liberdades individuais. No entanto, inesperadamente, a Era da Informação está, de certa forma, facilitando estas liberdades, e ao mesmo tempo as tolhendo, uma vez que toda opinião é registrada e posta a julgamento. A sociedade caminha, infelizmente, para uma nova era de censura e falso moralismo. Encerro estas reflexões com uma célebre frase atribuída ao filosófo iluminista francês Voltaire: "Je ne suis pas d'accord avec ce que vous dites, mais je me battrai jusqu'à la mort pour que vous ayez le droit de le dire" (Não concordo com o que dizeis, mas irei lutar até a morte para que tenha o direito de dizê-lo).







sábado, 9 de fevereiro de 2013

Sobre a punição dos invasores da reitoria da USP

Em 2011 houve mais uma das "greves estudantis" na USP. Coloquei greves estudantis entre aspas para frisar o meu desconhecimento do real significado da expressão. Estudantes se recusando a prosseguir normalmente com a vida acadêmica, na minha opinião, não é greve, e sim burrice. Defendo paralizações (para fins organizacionais), mobilizações e manifestações, mas greve de estudantes não não tem sentido.

E o que desencadeu esta greve? Sei lá! A maioria das vezes querem mais professores, funcionários, etc.  Muitas vezes querem melhores condições, moradia estudantil. E algumas vezes querem a implementação de políticas assistencialistas que praticamente paguem-os para estudar. Eu realmente acho lindas as pautas de reivindicação destas greves. Concordo com muitas delas, mas sei que (infelizmente) não é possível cagar dinheiro para injetar na universidade. Muita gente que está lendo este texto agora deve estar pensando: mas se não houvesse corrupção sobraria mais dinheiro, se não gastassem tanto com a Copa sobraria mais dinheiro, blá blá blá. Sim, são muitos se's. Se estes estudantes de uma faculdade pública não estivessem fazendo "birrinha" para parar de estudar, ou quebrando parte do prédio da reitoria da USP também sobraria mais dinheiro (dinheiro público). Naturalmente também sei que para muitos sou um dos manipulados pela mídia reacionária, e na verdade ninguém quebrou nada no prédio da reitoria (foi a mídia que me manipulou), e eu sou um pobre coitado sem opinião própria, e blá blá blá. Já aviso que não tenho TV, e minha fonte de informações é exclusivamente a internet, incluindo blogs e outros veículos de notícias (e não as versões virtuais dos tradicionais jornais).

À parte o real motivo que desencadeou a "greve", voltemos à questão da invasão. Em uma das assembleias estudantis deliberou-se pela ocupação do prédio da da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas). Não vou entrar no mérito da representatividade das assembleias que são decididas por uma minoria, e vou considerar que ela realmente representa todos os estudantes (o que obviamente não é verdade). Na referida assembleia foi deliberado que a FFLCH seria ocupada. Algum tempo depois outra assembleia deliberou sua desocupação. O corpo estudantil democraticamente tomou uma decisão. Eu, pessoalmente, não gosto desta decisão, mas entendo e aceito a prevalência da democracia. Este seria o primeiro marco do fim da desocupação.

No entanto, não satisfeitos com esta decisão de desocupação, tomada durante a soberana assembleia, um pequeno grupo de estudantes tomou uma decisão contrária à do corpo estudantil,  e invadiu o prédio da reitoria. Ao interesse de quem eles atendiam? Uns dizem que são de partidos políticos, outros a interesses próprios. Na verdade, isto não me importa.O fato é que uma minoria não-representativa decidiu invadir o prédio da reitoria. Como se não bastasse isto, houve pichação e depredação. Foi uma infeliz atitude infantil por parte destes setenta e poucos estudantes. Mas infantil ainda foi o Sr. Rodas, reitor da USP, convocar a polícia para executar uma reintegração de posse. Reintegração de posse de um prédio público: eis outra coisa sem sentido. Se é público, a posse é, em tese, de todos (mas não dá a ninguém o direito de pichar, depredar, ou impedir que cumpra seu propósito). Portanto, o Sr. Rodas não pode pedir reintegração de posse, pois o prédio não é dele. Aliás, o prédio é mais dos 72 invasores do que dele, que é apenas uma pessoa. Mas o prédio é mais dos milhões de contribuintes do estado de São Paulo, que esperam que seus impostos sejam revertidos a determinadas aplicações, dentre elas um prédio cuja função é ser a reitoria de uma universidade, do que dos 72 invasores.

Sendo assim, está claro que uma minoria tomou uma decisão que não reflete o interesse do corpo estudantil, e agiram por vontade própria. Não preciso dizer que eles são, obviamente culpados, e cometaram um crime passível de prisão. Assim como faltou bom senso ao invasores ao invadir a reitoria, e ao Sr. Rodas ao chamar a Polícia Militar, também faltou bom senso ao Ministério Público. Estes invasores são pobres coitados que só queriam entrar pra história, que têm um profundo sentimento de nostalgia dos tempos que não viveram, em que a luta estudantil era admirável, e contribuia para construir um país melhor. Eles precisam ser considerados culpados, sim, pois de fato o são. Mas entre considerá-los culpados e condená-los a cumprir pena, seja ela qual for, há uma grande distância. Condená-los por depredação é uma coisa, por formação de quadrilha é algo ridículo.

Há quem diga que faltou bom senso à Polícia Militar na ação, já que foram centenas de soldados armados, helicópteros, para reintegrar a posse, enquanto os invasores eram setenta e poucos. Neste ponto acho que houve um acerto, já que esta clara demonstração de poderio evitou conflitos e garantiu a saída pacífica dos invasores. Claro que há as denúncias de agressão por parte da PM, mas são casos pontuais e não refletem o comportamento geral da polícia, que foi adequado.

Enfim, o episódio da invasão é lamentável e ambas as partes cometeram erros. Mas por que o Ministério Público resolveu ressucitar isto agora? Não havia necessidade. Os invasores já aprenderam  (ou não) a lição, quando foram levados para a delegacia. Todos sabem que mesmo errando, suas intenções não eram ruins. Há tantas outras coisas com as quais o Ministério Público poderia se ocupar, tantos problemas para serem resolvidos, e ele perde seu tempo acusando as criancinhas pseudo-revolucionárias das nossas universidades de formação de quadrilha. Encerro o texto com o que pensei quando vi esta notícia: "Puta que pariu, Ministério Público, vai arrumar o que fazer!".