sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Sobre ondas gravitacionais, os talentos desperdiçados e o Método Científico


Não estou escrevendo este texto para explicar o que são ondas gravitacionais - vários bons textos com este propósito podem ser facilmente encontrados. Venho aqui comentar sobre um comportamento interessante decorrente de uma grande descoberta científica. A mídia anunciou a descoberta de ondas gravitacionais, e de repente surgiram milhares de experts por aí. Fico feliz ao ver o enorme engajamento público, mas triste ao notar o analfabetismo científico que permeia a sociedade. E estes experts também compreendem perfeitamente relatividade geral, mecânica quântica e até mesmo ontologia do espaço-tempo.

Nestas horas percebo o quanto eu sou um m*$da: estudo física há mais de uma década (o que é bem pouco), fiz disto minha carreira, e ainda assim toda vez que tenho uma nova (e aparentemente revolucionária) ideia acho que alguém já deve ter pensado nisto - afinal, eu não sou tão inteligente assim. Por temer o ridículo, baseado em várias coisas que eu estudei por muito tempo (e muito tempo significa muitas e muitas horas - muito mais do que o tempo de leitura de um artigo da Superinteressante e de um documentário do Youtube), eu reflito bastante sobre estas ideias e no final algumas delas sobrevivem. Neste processo eu penso no quão coerente é a ideia, como ela se encaixa com o resto das coisas que sabemos e como podemos testa-la (comprova-la or refuta-la). 
Quando vejo as pessoas que "provaram" que Einstein está errado, que têm uma "teoria" alternativa ao Big Bang, etc, eu me pergunto onde foi que eu errei. Mesmo com tanto empenho eu não consigo conceber estas ideias revolucionárias. Nunca provei que Einstein está errado, nem unifiquei a mecânica quântica com a relatividade, nem provei que o vácuo não existe. Seriam estes talentos desperdiçados? Nas palavras de Álvaro de Campos:

Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo? 

 (trecho de Tabacaria, Álvaro de Campos)

Atrever-me-ei a responder à indagação de Álvaro: não sou mais certo nem menos certo, e de fato não tenho nenhuma certeza. E os "talentos desperdiçados", que surgem com as mais diversas ideias de cuja veracidade eles estão convencidos? Estes concebem suas ideias frequentemente absurdas ignorando o que eu considero o "espírito da Ciência": o Método Científico.

O Método Científico pode, a grosso modo, ser resumido em um conjunto de etapas:
1. Faça uma observação.
2. Elabore uma hipótese para explicar sua observação.
3. Verifique a consistência da sua hipótese em relação ao corpo de conhecimentos já adquiridos.
4. Faça previsões utilizando sua hipótese
5. Verifique experimentalmente ou observacionalmente se suas previsões estão corretas.
6. Se as previsões não estiverem corretas, sua hipótese deve rejeitada. Se estiverem razoavelmente corretas, melhore sua hipótese e repita etapas 4 e 5 até que sua hipóstese esteja de acordo com os experimentos/observações.

O Método Científico é extremamente bem-sucedido. É graças a ele que não morremos aos 35 anos idade, é graças a ele que temos computadores, e é graças a ele que chegamos à Lua. A teoria da relatividade é um exemplo deste sucesso. Várias previsões da teoria da relatividade já haviam sido confirmadas e nenhuma refutada, e por isto a teoria já era considerada um dos pilares da física moderna. A existência de ondas gravitacionais é uma destas previsões, e sua observação é mais uma confirmação da teoria da relatividade. Bastaria uma medição ou observação (devidamente confirmada) que refutasse a teoria da relatividade para que ela fosse totalmente abandonada. Eis a beleza da Ciência.

Uma questão importantíssima que poucas pessoas discutem é o real significado de uma teoria. O Método Científico garante a sobrevivência de teorias que descrevam satisfatoriamente a realidade, mas não diz nada sobre a natureza fundamental da realidade. Descrever a realidade, neste contexto, não é necessariamente o mesmo que ser a realidade. O universo pode se comportar exatamente como prevê uma teoria, ou seja, a teoria é realmente como o universo opera. A teoria também pode ser vista como uma mera descrição da realidade. O Método Científico é agnóstico com relação a estes dois posicionamentos epistemológicos.

 
Voltando aos "talentos deperdiçados", seu desconhecimento do Método Científico é o que os leva a ignorar o processo pelo qual novas hipóteses são validadas e propagar absurdas ideias sem embasamento algum. Enganam-se eles também ao acreditar que a Ciência necessariamente descreve como o universo opera (em vez de como parece operar). Esta preocupante desinformação é consequência do fraco ensino básico em todo o mundo e particularmente no Brasil. Mesmo a nível superior, o curso de "Metodologia Científica" nunca efetivamente trabalha o Método Científico e nunca aborda a as questões epistemológicas relacionadas a Ciência, restringindo-se ao invés disto a forçar pobres estudantes a aprender regras (inúteis) da ABNT. 

É hora de reformar o currículo das escolas. É hora de ensinar como a Ciência deveras funciona ao invés de bombardear os alunos com informações "científicas". É hora de mostrar como o conhecimento científico é construído. Isto evitará os lamentáveis comentários que vemos nas redes sociais quando descobertas científicas são feitas. Isto mostrará às pessoas a importância da Ciência e irá ensina-las a valorizar o trabalho científico.